De um lado, a valorização de um fruto em abundância e contribuição para a regeneração ecológica de uma região.
Do outro, a abertura de oportunidades e ofertas de trabalho para mulheres da comunidade. Os dois pontos se encontram na fabricação da jaca verde in natura pelo sítio ecológico Sinal do Vale, espaço com cerca de 200 hectares voltado para a regeneração de ecossistemas, comunidades e indivíduos no Bairro Santo Antônio, em Duque de Caxias.
Fundado pela empreendedora e inovadora social Thais Corral há 16 anos, o Sinal do Vale executa uma diversidade de projetos baseados em quatro eixos de ação principais: os agentes de mudança; a hospitalidade; manutenção de uma infraestrutura resiliente; e solo, alimento e floresta. A partir dos eixos, a instituição desenvolve iniciativas voltadas para a infraestrutura verde e disponibilidade de serviços e produtos, nos quais está inserida a “Madre Frutos”, responsável por colher, tratar, embalar e distribuir a jaca verde.
Estávamos procurando um negócio com agricultura sustentável de regeneração da floresta que pudesse usar algo abundante aqui. A nossa ideia é justamente fazer esse produto e, ao mesmo tempo, criar um manejo sustentável enriquecendo a região com outras espécies da mata atlântica — explica Thaís Corral.
A ideia surgiu há pouco mais de quatro anos. Até o ano de 2019, o projeto era apenas um sonho, que começou a tomar forma depois após a contemplação em um edital alemão, explica a ativista Thai Guglielmi, que vive no Sinal do Vale desde 2018, quando, após um processo de burnout, decidiu mudar de vida e se reaproximar da natureza. Em 2020, a iniciativa saiu do papel com uma equipe muito pequena, apenas três pessoas. Depois de uma encomenda de três toneladas de jaca verde, feita por uma grande rede de hortifruti em 2021, surgiu a necessidade de recrutar outras mulheres da região.
— Primeiro a gente abre para a comunidade. Recrutamos 12 mulheres, fazemos entrevistas com elas. A gente quer regenerá-las. Muitas vêm com traumas, questões familiares. Faz parte da Madre Frutos dar possibilidades. A gente faz muito o trabalho de empoderar e dar um auxílio em tudo — conta Thai.
Primeiro, as jacas são colhidas, antes do amadurecimento, no dia anterior à passagem pela fábrica da Madre Frutos. Após a colheita, as frutas passam por um processo de limpeza profunda com máquinas que lavam a jato. Depois, é hora de cortar e colocar os pedaços da jaca verde em grandes panelas de pressão, onde passam pela cocção e amolecem. Após o cozimento e esfriamento, cada uma das mulheres da equipe é responsável por fazer a retirada das partes da jaca.
Devidamente separadas, as partes são embaladas separadamente e seguem para o armazenamento em uma câmara fria, onde ficam estocadas. A entrega em restaurantes é feita pela própria Thai, que usa seu carro para fazer a distribuição quinzenal.
Lombo da jaca, jaca desfiada, entrecasca da jaca, semente da jaca, gomos de jaca… Cada uma das partes da fruta pode ter finalidades distintas na cozinha. O lombo, por exemplo, pode ser assado inteiro, como uma carne. Já a parte desfiada pode servir para escondidinhos e recheios de coxinha. A entrecasca — com textura de massa — se torna base para confecção de bolinhos e kibes.
Moradora do Bairro Santo Antônio há 36 anos, Andreia Aguiar fez parte da equipe de mulheres responsáveis por processar a última safra de jaca, no fim de 2021. Apesar de conhecer o Sinal do Vale há muitos anos, ela conta que não sabia dos benefícios da jaca verde para uma alimentação mais saudável.
— Conheci todos os procedimentos. Vi como é colhido, o cozimento, o preparo e tudo aquilo que podemos fazer para aproveitar a jaca verde. Tudo foi de grande aprendizado. Nunca imaginei que a jaca verde pudesse ser utilizada, que a casca pudesse ser reaproveitada, que a massa fosse aproveitada. Não somente trabalhei com o cozimento como tive uma excelente alimentação. Foi uma experiência única. Quero bis, quero aprender mais, continuar. Sei que é algo que vai crescer muito — diz Andreia.
A maior parte das mulheres que integram a equipe da Madre Frutos é composta por mães solo, que podem levar seus filhos para o sítio enquanto trabalham no processamento da jaca verde. As crianças ficam livres no espaço, podem tomar banho de piscina com supervisão e, para a próxima safra, Thai conta que estão procurando voluntários para ensinar inglês aos pequenos.
No entanto, as ativistas do Sinal do Vale acreditam que o produto precisa de mais marketing e divulgação para cair de vez no gosto do povo.
— Só de fazer a promoção e falar que é jaca, venderam mais em uma semana do que vendem em um mês. Parece que em São Paulo já acabou o estoque. As possibilidades com a jaca ainda são um pouco desconhecidas. Esse alimento pode ser a solução da fome de muitas pessoas. Tem artigos sobre isso. Além disso, comprar na loja ajuda o projeto e as mulheres, dando continuidade em tudo isso — diz.
Localizado na biorregião da Serra da Estrela, no Recôncavo da Guanabara, a 40km do Centro do Rio, o centro ecológico Sinal do Vale é reconhecido pela Unesco como Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Além disso, também é um dos 17 certificados no mundo pela Long Run Inititative como retiro global da ecosfera da biodiversidade.
Quando chegou ao local, anos atrás, Thais Corral conta que encontrou uma vegetação explorada, resultado de longa atividade como fazenda de café durante o período escravagista, além da extração de carvão vegetal, que também marcou a região. Era justamente isso que a empreendedora procurava: um espaço a ser resgatado.
— Depois dos anos 2000, tive a ideia de que era importante fazer alguma coisa concreta sobre sustentabilidade. Esse lugar oferecia todos os componentes. Lugar onde tinha havido uma exploração, foi fazenda de café, depois tinham muitos carvoeiros, pasto. Hoje, justamente porque não se fez nada, a floresta voltou. Nós aqui do Sinal do Vale temos alguns projetos de reflorestamento — explica.
O projeto foi criado, em um primeiro momento, para ser um espaço de hospitalidade, atrair líderes e ativistas do campo da sustentabilidade para o local. Até os dias atuais, a hospitalidade é um dos grandes focos do Sinal, que tem hospedagem para até 50 pessoas em casas distribuídas pelo vale.
Para a próxima década, a instituição tem como principais projetos o reflorestamento de no mínimo 30 hectares das redondezas, a manutenção da Madre Frutos com a produção e processamento da jaca verde, e a criação do corredor verde Recôncavo da Guanabara, uma trilha de longa distância que promete resgatar o valor ambiental e a história da região.
Redação: Radio e Jornal A Voz do Povo.
Direção: Jornalista Marcio Carvalho.
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